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MÚSICA

 

O século XVII trouxe à música a revolução mais profunda desde aquela promovida pela Ars nova no século XIV, e talvez tão importante quanto a que foi implementada pela música moderna no século XX. É certo que tais mudanças não surgiram do nada e tiveram precursores, e demoraram anos até serem absorvidas em larga escala, mas em torno do ano 1600 se apresentaram obras que constituem verdadeiros marcos de passagem. Esse novo espírito requereu a criação de um vocabulário musical vastamente expandido e uma rápida evolução na técnica, especialmente a vocal. As origens do Barroco musical estão no contraste entre dois estilos nitidamente diferenciados, o chamado prima prattica, o estilo geral do século XVI, e o seconda prattica, derivado de inovações na música de teatro italiana. Na harmonia, outra área que sofreu mudança significativa, abandonaram-se os modos gregos ainda prevalentes no século anterior para adotar-se o sistema tonal, construído a partir de apenas duas escalas, a maior e a menor, que encontrou sua expressão mais típica na técnica do baixo contínuo.

 

Além disso, se instalou a primazia do texto e dos afetos sobre a forma e a sonoridade; o contraponto e os estilos polifônicos, especialmente na música sacra, sobreviveram, mas descartaram texturas intrincadas onde o texto se torna incompreensível, como ocorria no Renascimento; iniciou-se a teorização da performance com tratados e manuais para profissionais e amadores; foram introduzidas afinações temperadas e formas concertantes; o baixo e a melodia assumem um lugar destacado na construção das estruturas; a melodia buscou fontes populares e a dissonância passou a ser empregada como recurso expressivo; as vozes superior e inferior foram enfatizadas; às sonoridades interválicas sucederam as acórdicas, e escolas nacionais desenvolveram características idiossincráticas. Entretanto, assim como nas outras artes, o Barroco musical foi uma pletora de tendências distintas; George Buelow considera que a diversidade foi tão grande que o conceito perdeu relevância como definição de uma unidade estilística, mas reconhece que o termo se fixou na musicologia.

 

No terreno da simbologia e linguagem musical, foi de grande importância o desenvolvimento da doutrina dos afetos, propondo que recursos técnicos específicos e padronizados usados na composição podiam despertar emoções no ouvinte igualmente específicas e comuns a todos. A doutrina teve sua primeira formulação no final do Renascimento através do trabalho de músicos florentinos que estavam engajados na ressurreição da música da Grécia Antiga e que foram os fundadores da ópera. De acordo com sua interpretação de idéias de Platão, procuravam estabelecer relações exatas entre palavra e música. Para eles uma idéia musical não era somente uma representação de umafeto, mas sua verdadeira materialização.

 

 

Os recursos técnicos da doutrina foram minuciosamente catalogados e sistematizados por vários teóricos do Barroco comoAthanasius Kircher, Andreas Werckmeister, Johann David Heinichen e Johann Mattheson. Mattheson escreveu com especial detalhe sobre o assunto em seu Der vollkommene Capellmeister (O perfeito mestre de capela, 1739). Como exemplo, disse que os intervalos amplos suscitavam alegria, e a tristeza era despertada por intervalos pequenos, a fúria se descrevia com uma harmonia rude associada a um tempo rápido. A doutrina teve uma aplicação particularmente importante no desenvolvimento da ópera. A opera seria, o gênero mais prestigiado, se estruturava sobre diversas convenções que buscavam dar verossimilhança e impacto emocional a eventos apresentados de maneiras em tudo artificiais e retóricas, um conflito estético que, no entanto, foi resolvido de modo tão eficiente se tornou uma mania em muitos países. Os recitativos, seus trechos falados com acompanhamento instrumental muito resumido, conduziam a ação dramática, mas eram frequentemente ignorados pela platéia, que se dedicava então a beber, comer e conversar. As árias, os trechos cantados, porém, que eram os mais apreciados e mais substanciais musicalmente, eram quadros fixos em que a ação congelava sobre uma ideia ou sentimento, e davam espaço para o protagonista exibir o seu virtuosismo vocal seguindo modelos formais padronizados para cada tipo de expressão a ser ilustrada. Por exemplo, árias de fúria tipicamente eram em tempos rápidos com muitas vocalizações em coloratura, intervalos amplos, frequentemente na clave de ré menor, enquanto que árias de amor muitas vezes eram compostas em lá maior. Tais convenções eram tão impessoais que se por qualquer motivo um cantor não apreciasse uma certa ária composta para ele podia sem maiores problemas substituí-la por outra de sua preferência, de outra fonte, desde que expressasse o mesmo afeto.

 

A música vocal

 

Entre os gêneros vocais teve um papel importante a forma policoral com estruturas antifonais, os chamados cori spezzati, desenvolvida por Andrea Gabrieli e Giovanni Gabrieli em Veneza, na passagem do século XVI para o século XVII, estabelecendo precedentes para os gêneros concertantes vocais e instrumentais e inovando nas técnicas polifônicas. Mas possivelmente a mais influente e seminal forma vocal a se desenvolver no Barroco foi a ópera, o mais ambicioso projeto de exploração dos efeitos dramáticos em música, com o auxílio de representação cênica e requintadas cenografias. Os precursores da ópera foram os florentinos Giulio Caccini e Jacopo Peri, cuja ópera Euridice (1600), composta conjuntamente, é a mais antiga que sobreviveu, mas o primeiro grande expoente foi o veneziano Claudio Monteverdi, que em 1607 apresentou seu L'Orfeo, seguido de várias outras composições importantes e influentes, como L'Arianna e L'Incoronazione di Poppea. Suas óperas, como todas as de sua época, fizeram face ao desafio de estabelecer uma unidade coerente para um paradoxo de origem - a tentativa de criar uma representação realista num contexto artístico que primava pelo artificialismo e convencionalismo. Para Ringer as óperas de Monteverdi foram uma resposta brilhante para esse desafio, estão entre as mais pura e essencialmente teatrais de todo o repertório sem perder em nada suas qualidades musicais, e foram a primeira tentativa bem sucedida da ilustração dos afetos humanos em música numa escala monumental, sempre amarrada a um senso de responsabilidade ética. Com isso ele revolucionou a prática de seu tempo e se tornou o fundador de toda uma nova estética que teve uma influência enorme em todas as gerações de operistas posteriores. 

 

Enquanto Monteverdi desenvolvia a parte final de sua carreira em Veneza, Roma e Nápoles também patrocinavam uma rica atividade operística, introduzindo outras novidades: um uso mais frequente do coro, introdução de intermezzi dançados entre os atos, e a adoção de uma abertura em estilo de canzona. A ópera logo ganhou ampla aceitação, e o gosto popular passou a influir sobre os compositores, utilizando melodias populares e cenários suntuosos e engenhosos, com maquinismos cênicos para efeitos especiais e aberturas no estilo de fanfarras. O desejo da audiência por melodias facilmente memorizáveis e cantáveis possibilitou a progressiva distinção entre árias e recitativos.

 

No início do século XVIII fixou-se a fórmula da opera seria, cuja dramaturgia se desenvolveu em boa parte como uma resposta à crítica francesa daqueles que frequentemente era vistos como "libretos impuros e corrompedores". Como resposta, a Accademia dell'Arcadia, sediada em Roma, buscou retornar a ópera italiana aos princípios clássicos, obedecendo as unidades dramáticas de Aristóteles e substituindo tramas "imorais" por narrativas altamente moralistas, que buscavam instruir, além de entreter. No entanto, os finais quase sempre trágicos do drama clássico eram rejeitados, por motivos de decoro; os principais autores de libretos daopera seria, como Apostolo Zeno e Pietro Metastasio, acreditavam que a virtude devia ser recompensada, e mostrada triunfando. Os episódios cômicos e o balé, comuns na ópera francesa, foram banidos, mas foi o período áureo dos solistas vocais virtuosos, especialmente os castrati.

 

Ainda no século XVII ópera se difundiu para a França, onde se adaptou à tradição da tragédia e do balé e formou a chamadatragédia lírica, que se tornou uma instituição nacional. Na França a abertura italiana se transformou em uma peça mais consistente, a chamada abertura francesa, com uma seção em fugatto. Os mestres da tragédia lírica foram Jean-Baptiste Lully e Jean-Philippe Rameau. Na Alemanha a ópera não foi tão popular, mas não obstante recebeu atenção em várias cidades importantes, como Hamburgo, Munique e Dresden. Na Áustria, Viena foi um grande centro operístico, e em toda a área germânica a influência italiana foi predominante, com destaque para os compositores Reinhard Keiser, Niccolò Jommelli, Georg Philipp Telemann e Johann Adolph Hasse. Na Inglaterra a situação era semelhante à da França, podendo desenvolver um estilo nacional com Henry Purcell e John Blow antes dos italianos, ou italianizados como Handel, dominarem a cena no século XVIII.

 

Os operistas napolitanos também ajudaram a desenvolver um outro gênero de música vocal dramática, a cantata, para voz solo com acompanhamento instrumental. Giacomo Carissimi consolidou o gênero num modelo compacto, com duas ou três árias entremeadas de recitativos, forma levada adiante por vários outros compositores e introduzida na França por Marc-Antoine Charpentier. Em virtude da progressiva diluição dos limites entre os gêneros sacros e profanos, logo a cantata foi adotada como veículo de temas religiosos, originando a cantata sacra. Nesta forma foi muito popular nos países germânicos, onde se tornou parte integrante do culto luterano. Seu maior cultivador foi Johann Sebastian Bach, mas também se dedicaram ao gênero Dietrich Buxtehude e Johann Kuhnau. Paralelamente à evolução da ópera, surgiram o oratório, o seu equivalente sacro, e a paixão, também semelhante. Emilio de' Cavalieri é tido como o fundador do oratório com sua Rappresentazione di anima e di corpo, estreada em Roma em 1600, e Carissimi, Alessandro Scarlatti, Heinrich Schütz e Georg Friedrich Handel deram importantes contribuições à expansão da forma.

 

A música instrumental

 

À medida que novas técnicas de canto eram desenvolvidas, estas inovações iam sendo absorvidas pela música instrumental, especialmente agora que instrumentos participavam de formas antes executadas a capella, como o moteto. O instrumental não sofreu transformações tão importantes e permaneceu em linhas gerais o mesmo do Renascimento, mas seus usos sim foram modificados, como por exemplo o abandono do alaúde como condutor do baixo contínuo, substituído pelo cravo ou órgão. As danças renascentistas, executadas em pares, foram expandidas para organizarem suítes em vários movimentos, usualmente de quatro a seis, allemande, courante, sarabande, menuets I & II, e gigue, mas podendo aparecer com movimentos adicionais como aair, a bourrée, a chaconne e a passacaglia. A toccata, o prelúdio e a fantasia, já existentes no Renascimento, foram expandidas em dimensões e profundidade de tratamento, enquanto que as formas polifônicas instrumentais mais importantes da geração anterior, acanzona e o ricercare, evoluíram para formar a fuga. Muitas formas de dança foram inseridas em óperas e foram organizadas embailados, e nesses gêneros mistos a peça de abertura, em regra somente instrumental, adquiriu grande importância.

 

Outras formas importantes a nascerem no Barroco foram a sonata e o concerto, que se multiplicaram em várias formas subsidiárias, o primeiro na sonata da chiesa, na sonata da camera e na trio-sonata, e o segundo dando origem ao concerto grosso, o concerto para solista e a sinfonia. Para estes gêneros escreveram obras importantes Arcangelo Corelli, Antonio Vivaldi, Giuseppe Tartini,Jean-Marie Leclair, Bach, Händel e Purcell. Ao mesmo tempo, a música para teclado - órgão ou cravo - conheceu grande expansão, através do trabalho de Dietrich Buxtehude, Jan Pieterszoon Sweelinck, Johann Pachelbel, Johann Froberger, Georg Muffat, Bach,Girolamo Frescobaldi, Domenico Scarlatti, Rameau e François Couperin.

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